Escola sem Partido: retrocesso à vista
- Eliete Carvalho
- 17 de jan. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 27 de jan. de 2020

Sou professora. Ensino há mais de vinte anos. Nunca vi, durante todo esse tempo em que dou aula, a escola ser o centro das atenções como ultimamente nos discursos da extrema direita. Quando escuto ou leio sobre a chamada escola sem partido, vejo-me muito agredida e desrespeitada psicologicamente, moralmente e intelectualmente enquanto profissional. A pauta da escola sem partido, além de afrontar a escola e os professores, é equivocada e nos leva ao retrocesso, quanto ao pluralismo de ideias e de conhecimento.
O que se está em jogo não é se a escola tem um ensino de qualidade, se os alunos de fato aprendem, se a merenda é boa, se a estrutura física é adequada, se tem laboratórios de ciências, de informática, de leitura ou bibliotecas, ou mesmo, se os professores são valorizados no exercício de suas funções. A preocupação é outra: o monitoramento aos professores, chamados pelos tais conservadores, de “doutrinadores”, ou seja, da liberdade de ensinar dos professores em sala de aula. Por conta disso, está havendo o chamado “denuncismo”. Cartazes, insultos, textos apócrifos e ameaças se espalham pelas Universidades. O mais recente aconteceu na Unidade Federal de Pernambuco, onde se propagou, pelo campus, um texto apócrifo listando os nomes de professores, segundo o texto, “transgressores”, “esquerdistas” e “comunistas”. Esses “esquerdopatas” seriam banidos do sistema educacional.
O discurso de que a escola está “doutrinando” as crianças e os jovens, pregado por aqueles que nada entendem de educação, é absurdamente antidemocrático e fere a Constituição e a própria Lei de Diretrizes e Bases (LDB), quando diz que as escolas têm autonomia frente à gestão democrática e ao seu Projeto Político Pedagógico. Dá para imaginar uma escola sem sua autonomia? Sem seu projeto Político Pedagógico? Não! Não dá. Mas, infelizmente, o movimento ganha corpo e a caça às “bruxas” já começa a surgir país afora com ameaças e perseguições a muitos docentes. Imaginem se esse tal projeto, que é uma asneira geral, é aprovado em Brasília. Já pensou? Quero deixar bem claro aqui, que eles não querem uma escola sem partido, na verdade, apenas almejam uma escola atrelada, sob o controle do discurso único – o deles! Um discurso autoritário.
Mas o que prega o Projeto Escola sem Partido? Posso garantir que boa coisa não é. O que mais chama atenção é “o conhecimento neutro”, desprovido de qualquer contextualização, como se isso fosse possível. Mas como seria o ensino de Língua Portuguesa neutro? Dá para imaginar? O professor, para ser neutro, não tocará na questão do preconceito linguístico. Ele será proibido de mencionar que a língua apresenta particularidades ou mesmo que o respeito às diversas formas de variações linguísticas deve existir entre seus falantes. Mas como fica o Nordeste? Essa região é a mais que sofre com esse tipo de preconceito. Dizem que falamos feio e arrastado. E, por conta disso, somos xingados e depreciados linguisticamente, principalmente, nas mídias. Não, não poderíamos falar ou debater.
Agora mesmo, vimos uma questão do ENEM que tratou do dialeto dos LGTBS e ela foi, erroneamente, incompreendida e criticada por muitos. A questão, apenas, exigia o conhecimento sobre a variação linguística, mas como mencionava o dialeto dos LGTBS causou polêmica e espanto. E ainda teve político ameaçando os critérios e as escolhas relativas ao conhecimento abordado nas avaliações. Uma vergonha nacional. Se isso não é retrocesso, não é voltar às trevas, o que mais podemos dizer diante de um projeto que desrespeita e impõe a censura em sala de aula? Por que querem o controle da liberdade de expressão? Certamente, para desviar o debate daquilo que verdadeiramente importa: o investimento em educação. E colocar a sociedade contra a escola é o jeito encontrado para dizer que se está pensando no futuro do país.
Mas para quem serve esse discurso? Acredito que serve para aqueles que acreditaram no tal kit gay. Escola sem Partido não existe. Existem escolas que prezam a liberdade e a democracia. Resistir é preciso em nome desses valores.
Eliete Carvalho
Comments