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O MITO "PORTUGUÊS É MUITO DIFÍCIL"

  • Foto do escritor: Eliete Carvalho
    Eliete Carvalho
  • 20 de mai. de 2020
  • 3 min de leitura

Atualizado: 7 de abr.


O mito reproduzido pela sociedade de que "o idioma português é muito difícil" cada vez mais se prolifera, ganhando adeptos por todos os lados, principalmente entre alunos e professores. Essa é uma concepção preconceituosa que reflete muito bem a visão que se tem da língua, pois emerge da lógica de um outro preconceito: o de que o brasileiro não sabe falar português. Daí a necessidade de se justificar o não saber falar corretamente o português porque é uma língua muito complexa, cheia de pegadinhas, e de que "o português é muito difícil". Será mesmo? Será que não se confunde a língua com a gramática?


Quando falamos de língua, temos que ter todo o cuidado para não fazer confusão entre língua e gramática, pois a língua que falamos e aprendemos desde cedo com os nossos pais e a que aprendemos na escola continua sendo a mesma: a portuguesa. Mas, para muitos, a confusão é feita por conta da "supremacia" da norma culta, cultivada pela escola e reproduzida pelos diversos manuais de gramática. São as gramáticas que se distanciam das reflexões em torno da língua; ou seja, para se aprender bem o português, o cidadão tem que conhecer a gramática. Caso contrário, estará sujeito às piadinhas maldosas daqueles que, simplesmente, usam a língua para excluir, rotular ou mesmo discriminar. Não há nenhum fundamento ou teoria linguística que prove que a língua portuguesa é muito difícil. Caso fosse — o que não é verdade —, como se explicaria que uma criança, antes mesmo de frequentar a escola, já domina tão bem as operações básicas da língua materna? Elas constroem frases ordenadas, interagem com os outros, formulam perguntas, ou seja, já conhecem as regras básicas de funcionamento do idioma. Ninguém pode discordar de que uma criança nascida no Brasil não saiba falar português. O que está em jogo, portanto, não é a dificuldade com a língua culta, mas sim a dicotomia entre língua e gramática.


O mito "o português é muito difícil" não é fácil de combater, pois basta conversar com qualquer pessoa — inclusive professores ou pessoas de renome — sobre a língua portuguesa para que a resposta seja a mesma: "poucos sabem" ou "é preciso estudar muito para dominá-la". Se fôssemos considerar tais respostas, quem nunca estudou não mereceria respeito algum, culturalmente falando. Essa cultura preconceituosa sempre existiu, desprestigiando ou negando aqueles que são usuários natos da língua. Bagno, em seu livro Preconceito Linguístico, chega a afirmar que existem milhões de pessoas que não têm acesso à língua padrão por não terem oportunidade de estudar — ou seja, seriam, em suas palavras, os chamados "sem-língua". Se não têm acesso à norma culta, então não sabem português. As próprias gramáticas normativas enfatizam o preconceito. Nelas, encontramos uma série de definições que cultuam o mito do "português difícil": só quem tem cultura é quem merece confiança e respeito e, por conseguinte, sabe dominar o idioma português.


O preconceito linguístico, portanto, deve ser evitado, pois, se alimentado, estaremos contribuindo com a ideologia da classe dominante — ou melhor, com aqueles que, detentores da norma padrão da língua, discriminam o falante nato. A questão não é discutir se o português é difícil, mas como ensinar seus falantes a valorizar, defender e cultivar seu idioma como instrumento de cultura. Ora, se cada vez mais acharmos que a nossa língua é difícil e que ninguém sabe falá-la, então estaremos negando nossa própria história. Como diz Marcos Bagno (1999, p. 39): "Não é a língua que tem armadilhas, mas sim a gramática normativa tradicional que as inventa, precisamente para justificar sua existência e para nos convencer de que ela é indispensável".



Eliete Carvalho___Blog Letras & Livros

Palmares, 20/05/2020

Imagem: Google

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